Sem consulta adequada a povos e comunidades tradicionais, sistema de REDD+ do Pará avança sobre territórios

No ano em que o Brasil recebe líderes, especialistas e povos tradicionais de todo o mundo na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), o Governo do Pará acelera a implementação do Sistema Jurisdicional de REDD+ — mecanismo que prevê a Redução de Emissões provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal. Contudo, o projeto avança desrespeitando princípios fundamentais do direito à consulta prévia, livre e informada – a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, direito assegurado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – da qual o Brasil é signatário.
A denúncia consta em uma Nota Técnica elaborada pela Terra de Direitos e divulgada nesta terça-feira (17). No documento, a organização analisa o processo conduzido pelo Governo do Pará e alerta para violações de direitos fundamentais e riscos à autonomia dos territórios tradicionais.
A ausência de informações claras e acessíveis sobre o Sistema REDD+, a limitação do número de consultas, da participação e dos espaços de deliberação, além da centralização das decisões entre órgãos do Governo e poucos representantes de povos e comunidades tradicionais, são algumas das violações identificadas.
“A consulta não se reduz a ouvir um número limitado de lideranças ou entidade representativa, e também não se faz por audiência pública ou consulta pública. Ela tem seu próprio rito e deve ser feita mediante procedimentos apropriados, de modo que os povos interessados possam participar livremente, conforme disposição da Convenção n.º 169”, pontua a Nota Técnica.
Consulta prévia limitada no sistema de REDD+: “Tem comunidade que nem sabe o que estamos decidindo aqui fora por eles”
Em recente entrevista para a Agência Brasil, a liderança indígena e ativista ambiental, Alessandra Korap, criticou o modo como a consulta está sendo conduzida:
“Eles consultam alguns povos, alguns indivíduos, e não chegam realmente às lideranças e à totalidade. Todo contrato que a gente assina, precisa ler. Não sabemos nem o que está escrito nesse contrato. Como é que vão debater esse contrato nas comunidades? Tem comunidade que para chegar lá demora cinco dias, só de avião ou de barco. Tem comunidade sem internet. Tem comunidade com pessoas pescando, caçando, que nem sabe o que estamos decidindo aqui fora por eles. Há território com povos isolados. Quem é que vai consultá-los? Eles também têm poder de decisão”, questiona.
Uma liderança extrativista ouvida também declarou: “Nós usufruímos da floresta. Ela é fonte de vida para nós. Ela que garante as coisas para a gente que vive nos territórios agroextrativistas, nas reservas. A gente precisa muito, precisa plantar e produzir, mas tudo dentro de um equilíbrio. Não podemos deixar que destruam porque a gente precisa de uma palha, de um esteio, uma madeira para as casas, os galinheiros, que a gente ficar remendando. Uma casca de uma planta medicinal, os cipós para os artesanatos, para amarrar as cercas, as casas. É uma séria de coisa. Pelas experiências que já ouvi de um território indígena no Amazonas não é permitido. É uma coisa ruim para nós, para os nossos povos. Então, é o meu ponto de vista que isso não leva a nada. Não melhora a nossa qualidade de vida e para o planeta é pior ainda. Aquele que é mais quem mais vai sofrer os danos, é quem tem que ficar restrito”.
Veja também:
22.02.2024 – CRÉDITOS DE CARBONO: PROJETO JARI ENGANA COMUNIDADES E INVADE TERRAS PÚBLICAS NO PARÁ
(Assessoria de Comunicação da Terra de Direitos)
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)