Incêndios, desmatamento ilegal e violência: Amazônia Legal concentra mais da metade dos conflitos no campo brasileiro em 2024

Dos 2.185 conflitos no campo registrados no ano passado em todo o Brasil, mais da metade (1.180) ocorreram na Amazônia Legal, sendo 998 conflitos por terra, 155 por água e 27 trabalhistas. A região, que compreende os sete estados da Região Norte, além de partes dos estados do Maranhão e de Mato Grosso, tem sido afetada pelos incêndios criminosos, desmatamento ilegal e violências contra a pessoa, como as ameaças de morte e tentativas de assassinato.
Regiões de maior conflito – Na Amazônia, as áreas com maior concentração de violências estão nas regiões de Santarém, Altamira e São Félix do Xingu (PA), na região da AMACRO, nos municípios de Boca do Acre e Lábrea (Sul do Amazonas, na divisa com o Acre) e Porto Velho (RO), e Leste Maranhense.
Conflitos por Terra na Amazônia Legal
Dos 998 conflitos por terra, foram 980 ocorrências de violências contra a ocupação e a posse da terra e 18 registros de resistências dos povos e comunidades (sendo 12 ocupações e 6 acampamentos). São quase 13% a mais de registros de violências por terra, o que faz deste número o segundo maior da década, atrás apenas do ano de 2020. O estado do Maranhão lidera em número de registros (363), seguido dos estados do Pará, com 234 ocorrências, Rondônia (119), Amazonas (117), Mato Grosso (102) e Acre (59).

Dentre as principais violências pela terra na Amazônia Legal, os maiores aumentos em relação a 2023 foram de ameaças de expulsão (de 52 para 130), incêndios criminosos (de 46 para 122), contaminação por agrotóxicos (de 16 para 136) e desmatamento ilegal (de 104 para 144). Por outro lado, diminuíram os registros de expulsão (de 20 para 14), despejos (de 24 para 10) e ameaças de despejo (de 133 para 104).
Conflitos pela Água
As ocorrências de conflitos por água também subiram, passando de 95 em 2023 para 155 em 2024. O estado do Pará se encontra em primeiro lugar nos conflitos pela água no país, com 65 ocorrências, seguido pelo Maranhão, com 45 ocorrências, Mato Grosso (15) e Roraima (14).

As principais situações de conflitos pela água envolvem: Não cumprimento de procedimentos legais (54 ocorrências), destruição e/ou poluição (45), contaminação por agrotóxicos (29), diminuição e impedimento no acesso à água (12) e pesca predatória (8).
Quem mais causou e quem mais sofreu as violências

Os principais agentes causadores da violência por terra foram fazendeiros (em 339 registros), empresários (137), governo federal (88), mineradoras (58) e governo estadual (44). Já entre as principais categorias que sofreram violências, estão posseiros (235), indígenas (220), quilombolas (116), trabalhadores/as sem terra (92) e assentados (58).
No caso das violências pela água, além de empresários e fazendeiros, também aparecem hidrelétricas e mineradoras como causadores. Já as populações que mais sofrem as violências por água são indígenas, quilombolas, posseiros, ribeirinhos e pescadores.
“Invasão Zero” – Dentre os estados da Amazônia Legal onde ocorreram conflitos assumidos e/ou identificados como causados pelo grupo “Invasão Zero”, estão o Pará e o Maranhão. Já em Mato Grosso, ocorreram ataques coordenados onde suspeita-se que foram articulados pelo grupo.
Trabalho Escravo
Os casos de Trabalho Escravo apresentaram uma queda no número de trabalhadores resgatados, de 250 em 2023 para 185 em 2024. Na contramão dessa queda, na região chamada Amacro (fronteira agrícola na divisa entre os estados do Amazonas, Acre e Rondônia), houve um aumento significativo, passando de 16 trabalhadores resgatados em 2023 para 54 em 2024.

Em 1º lugar na Amazônia Legal e 4º lugar no país, o estado do Amazonas teve 103 trabalhadores resgatados, seguido do Maranhão com 82 trabalhadores. Na Região Norte, as principais atividades econômicas de onde foram resgatados os trabalhadores foram o desmatamento ilegal e o garimpo.
Violência contra a Pessoa
As ocorrências de violências contra a pessoa também diminuíram na Amazônia, de 1.116 em 2023 para 727 em 2024, mas o número continua alto na região, com 890 pessoas vítimas, principalmente de contaminação por minérios (de 53 para 214), ameaças de morte (de 148 para 160), intimidação (de 110 para 117), criminalização (de 103 para 100), detenção (65) e prisão (52). A quantidade de pessoas que sofreram tentativas de assassinato diminuiu de 55 para 52. Os estados amazônicos com maiores números de vítimas são Pará, Rondônia, Maranhão, Mato Grosso e Amazonas.
Quanto às mulheres vítimas de violência no campo no ano de 2024, 184 vítimas estão identificadas do sexo feminino e 273 do sexo masculino, mas ainda há um número alto de ocorrências sem identificação do gênero das pessoas envolvidas. As mulheres sofreram principalmente violências de contaminação por minérios (102), intimidação (27), criminalização (19), ameaças de morte (16), prisão (10) e tentativas de assassinato (3).
Quanto às questões étnicas e raciais, foram identificadas 303 pessoas indígenas, 64 pessoas pretas e 10 pessoas pardas, mas também são amostra de um número que pode ser bem maior, dadas as populações de acampamentos e assentamentos e as residentes em comunidades tradicionais, ribeirinhas, camponesas, quilombolas e outras envolvidas nos conflitos.
Assassinatos – Apesar da redução no número total de assassinatos em todo o país, é importante observar que, das 13 mortes registradas em 2024, 8 ocorreram nesta região. Se por um lado, houve redução de mortes em estados onde se costumava haver um maior número de assassinatos (como Amazonas, Maranhão, Rondônia e Roraima), houve aumento ou surgimento de casos em estados onde se registrava diminuição deste tipo de crime fatal em anos anteriores (como Amapá, Pará e Tocantins).
Regiões de fronteira agrícola
Amacro – Os registros de Conflitos por Terra na região Amacro aumentaram ligeiramente, de 183 casos em 2023 para 185 em 2024. Já as ocorrências de Conflitos por Água diminuíram, caindo de 16 em 2023 para 10 em 2024. O número de pessoas resgatadas em situação de Trabalho Escravo teve um aumento expressivo, subindo de 16 resgates em 2023 para 54 em 2024. No entanto, as Violências contra a Pessoa apresentaram uma queda significativa, de 218 casos em 2023 para 73 em 2024.
Matopiba – Os Conflitos por Terra na região Matopiba aumentaram de forma exponencial em 2024, com 415 ocorrências, em comparação com as 238 registradas em 2023. Esse crescimento supera a proporção de aumento da Amazônia Legal, que embora tenha registrado um número maior de ocorrências, apresentou uma variação pequena entre 2023 e 2024. No eixo Água, os Conflitos subiram de 23 registros em 2023 para 39 em 2024. Seguindo a tendência observada na Amazônia Legal, os casos de Trabalho Escravo tiveram uma queda, com 176 pessoas libertadas em 2023, passando para 80 em 2024. As Violências contra a Pessoa também diminuíram, de 161 ocorrências em 2023 para 115 em 2024.
Resistências dos povos e comunidades
Ao mesmo tempo que houve aumento nas violências, houve diminuição nas resistências das comunidades entre 2023 e 2024, passando de 13 para 6 acampamentos, e de 26 para 12 ocupações.
A região amazônica também se mobilizou em 211 manifestações de luta, dentre manifestações, romarias, caminhadas, acampamentos em rodovias, manifestações em hidrovias e ocupações de prédios públicos. As principais reivindicações foram pelo assentamento de famílias, contra a injustiça e a violência, pela reforma agrária e a demarcação de terras indígenas, contra os agrotóxicos, as mineradoras e a grilagem, dentre outras causas.
Metodologia – Elaborado anualmente há quase 40 anos pela CPT, o Conflitos no Campo Brasil é uma fonte de pesquisa para universidades, veículos de mídia, agências governamentais e não-governamentais. A publicação é construída principalmente a partir do trabalho de agentes pastorais nas equipes regionais, que atuam nas comunidades rurais em todo o país, além da apuração e confirmação de notícias feita pela equipe de documentalistas do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc/CPT), ao longo de todo o ano.
Para solicitar os dados brutos, entre em contato com a Assessoria de Comunicação: comunicacao@cptnacional.org.br