Audiência busca responsabilizar empresa Volkswagen por trabalho escravo contra centenas de trabalhadores no Pará

Em fazenda no sul do Pará, Volkswagen se aventurou no ramo da criação de gado, com denúncia de trabalho escravo. Foto: Wolfgang Weihs/picture alliance
Em fazenda no sul do Pará, Volkswagen se aventurou no ramo da criação de gado, com denúncia de trabalho escravo. Foto: Wolfgang Weihs/picture alliance

No próximo dia 30 de maio (sexta feira), a partir das 8:30hs, ocorrerá uma audiência de instrução e julgamento na Justiça do Trabalho em Redenção/PA. A audiência faz parte de uma ação movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a montadora de automóveis Volkswagen, em razão de, na década de 1980, a empresa ter utilizado trabalho escravo na fazenda de uma subsidiária sua – a Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária Comércio e Indústria (CVRC), no município de Santana do Araguaia, com relatos que chegam a 800 trabalhadores escravizados.

Participarão da audiência o deputado federal Reimont, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, o deputado Tarcísio Mota (também membro da Comissão), a deputada estadual Livia Duart (membra da Comissão de Direitos Humanos da ALEPA) e outros parlamentares, além de representante do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC).

As organizações e movimentos populares aproveitam a oportunidade da audiência para realizar uma reunião no dia anterior (29) com esses parlamentares, para denunciar assuntos relacionados a violações de direitos humanos na região, tais como: despejos em áreas da União e do estado, apuração e julgamento de crimes no campo, situação de familiares de lideranças assassinadas no campo na região, combate ao trabalho escravo, entre outras pautas. A reunião está marcada para as 15 horas, na sede da OAB de Redenção.

Entenda o caso Volkswagen de Trabalho Escravo

Em 2019, o MPT recebeu uma documentação impressa com relatos de vítimas, familiares, testemunhas e outros documentos relacionados a situações de submissão de trabalhadores a condições degradantes de trabalho na Fazenda Vale do Rio Cristalino, propriedade da Volkswagen do Brasil, localizada no sul do Pará. Os crimes aconteceram entre as décadas de 1970 e 1980, e o material foi reunido pelo padre Ricardo Rezende Figueira, então coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Araguaia-Tocantins, que abrangia o norte de Mato Grosso (São Félix do Araguaia), norte de Goiás (atual Tocantins) e sul do Pará.

A ação civil pública (ACP) movida pelo MPT busca responsabilizar a Volkswagen do Brasil pelas graves violações de direitos humanos cometidas contra centenas de trabalhadores que foram submetidos a condições análogas à escravidão, incluindo: jornadas exaustivas, falta de estrutura básica, falta de tratamento médico nos casos de malária e violência no impedimento de saída da fazenda, em razão de vigilância armada ou de dívidas contraídas (servidão por dívidas). As investigações e os relatos ainda incluíam alojamentos instalados em locais insalubres, sem acesso à água potável e com alimentação precária.

Depoimentos de trabalhadores sobre a realidade na fazenda Volkswagen foram feitos à época à CPT e a sindicatos rurais, colhidos novamente pelo MPT em 2021 (Ilustração: Rodrigo Bento/Repórter Brasil)
Depoimentos de trabalhadores sobre a realidade na fazenda Volkswagen foram feitos à época à CPT e a sindicatos rurais, colhidos novamente pelo MPT em 2021 (Ilustração: Rodrigo Bento/Repórter Brasil)

O MPT realizou cinco audiências com representantes da empresa entre 2022 e 2023, após apurar os fatos, para discutir a reparação da empresa pelos casos e a assinatura de um termo de ajuste de conduta (TAC). A Volkswagen do Brasil se retirou da mesa de negociação em março de 2023 e demonstrou não ter interesse em firmar o acordo com o MPT, o que gerou um processo em dezembro de 2024.

Este caso representa um marco na luta contra o trabalho escravo no Brasil, pois foi a primeira grande denúncia deste tipo de crime em 1984. Na época, no primeiro mandato do governador Jader Barbalho, não se conseguiu fazer o flagrante dos responsáveis, então convocou-se a imprensa nacional e internacional e se fez a denúncia. Havia indícios de que eram 600 trabalhadores, porém outro relato publicado em uma matéria na Alemanha relatava 800 trabalhadores escravizados.

Nos anos em que aconteceram os fatos, o empreendimento contou com recursos públicos e benefícios fiscais que ajudaram a alavancar seu negócio de criação de gado fazendo com que se tornasse um dos maiores polos do setor. Para o MPT, isso acentua a necessidade de reparação à sociedade brasileira.

Anúncio pago pela Sudam na revista Veja em 1971. O apoio do governo militar à Fazenda Volkswagen servia para atrair investidores à Amazônia (Foto: Reprodução/Revista Veja)
Anúncio pago pela Sudam na revista Veja em 1971. O apoio do governo militar à Fazenda Volkswagen servia para atrair investidores à Amazônia (Foto: Reprodução/Revista Veja)

A audiência de instrução e julgamento é uma etapa crucial para a coleta de provas e depoimentos que podem esclarecer os fatos e responsabilizar a empresa pelas violações de direitos humanos. O objetivo do MPT é que a Volkswagen do Brasil arque com as consequências de suas ações, promovendo a reparação dos danos morais causados às vítimas e suas famílias, mesmo a empresa alegando que a administração era terceirizada.

Além da indenização como forma de compensar a sociedade pelas violações cometidas, o órgão pede que a empresa adote medidas para garantir a não repetição de tais práticas, como a implementação de políticas de direitos humanos em suas operações.

O caso “Volks de Trabalho Escravo” é um exemplo de como a exploração de trabalhadores ainda é uma realidade no Brasil, mesmo em grandes empresas. É um passo importante na busca por justiça e reparação nesse caso, e um lembrete de que a luta contra o trabalho escravo continua sendo uma prioridade no Brasil.

Saiba mais sobre a Campanha “De Olho Aberto para não virar Escravo!”, a Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo da CPT.

Por CPT Xinguara/PA
Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional)

Informações: Repórter Brasil, DW Brasil e MPT

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