Agrotóxico: chuva de veneno destrói plantações e afeta a subsistência e a saúde de famílias em São Félix do Xingu/PA 

Plantação de abóbora atacada por agrotóxicos em São Félix do Xingu/PA
Plantação de abóbora atacada por agrotóxicos em São Félix do Xingu/PA. Registro da comunidade

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É com profunda indignação e em caráter de denúncia que as organizações abaixo subscritas tornam público e repudiam a tragédia ambiental promovida por fazendeiros que, por meio de aviões, helicópteros, e massivamente drones, estão despejando agrotóxicos sobre comunidades rurais e áreas de assentamento em São Félix do Xingu. Assim comprometendo a saúde pública, dizimando a agricultura familiar, impossibilitando a produção de alimentos e de cacau, tirando a subsistência das famílias afetadas e deixando um lastro de destruição no meio ambiente.

1. É preciso tornar público que: 

Com a tecnologia dos drones mais acessível e barata, o seu uso para pulverizar agrotóxicos tomou grandes proporções na região. O município de São Félix do Xingu foi invadido por empresas e prestadores desse tipo de serviço – clandestinos, na sua maioria, que não registram plano de voo e burlam as leis ambientais durante a aplicação de veneno. Tudo isso para aumentar o lucro com o trabalho. Esses prestadores de serviço são contratados por fazendeiros para pulverizar agrotóxicos que são vendidos com pouco ou nenhum controle dos órgãos competentes. As pulverizações de veneno estão aumentando ano a ano, e com elas, as vítimas também aumentaram. 

O veneno jogado nas fazendas sem nenhum respeito às normas ambientais acaba sendo levado pelo vento. Essa “deriva” de agrotóxicos afeta plantações de mandioca, feijão, frutíferas e tantas outras, e também o cacau, fonte principal de renda de muitas famílias que praticam e vivem da agricultura familiar, levando-as a ter prejuízos no seu ganha-pão, e jogando-as em condição de vulnerabilidade econômica e social. 

Sobre a deriva de veneno, estudos da Embrapa apontam que “mesmo seguindo todas as instruções relativas à calibração, temperatura e ventos ideais, apenas 32% dos agrotóxicos pulverizados chegarão às plantas, outros 49% vão para o solo e 19% se espalham pelo ar para áreas circunvizinhas da aplicação” 1, podendo chegar a 32 quilômetros de onde deveria ser o alvo da pulverização2. Resíduos de agrotóxico no ar podem ser inalados3 durante a respiração. Após entrar no pulmão humano, esse resíduo pode alcançar a corrente sanguínea e acumular-se em múltiplos órgãos e sistemas do corpo humano, afetando negativamente a saúde.

A deriva, também chamada “chuva de veneno”, gera tantos danos à saúde humana e ao meio ambiente que a pulverização de agrotóxicos por via aérea está proibida na Europa desde o ano de 2009. E há anos o Brasil vem importando cada vez mais agrotóxicos que são “refugo” de produtos estrangeiros, inclusive de uso proibido lá fora, como a atrazina, o mancozebe, o clorotalonil e o acefato, mas cujo uso é permitido no país.

As regiões de São Félix do Xingu que são tradicionalmente conhecidas por produzir legumes, frutas e verduras, abastecer a feira municipal, e fornecer alimentos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) estão sendo seriamente afetadas pelo uso de agrotóxicos na agropecuária. A população de São Félix do Xingu corre sérios riscos por estar consumindo alimentos que podem ter sido contaminados pelo veneno levado pelo vento para as plantações e também pela irrigação com água de nascentes afetadas pelos agrotóxicos. Estudantes da rede pública de ensino da zona urbana e rural que consomem alimentos advindos da agricultura familiar através do PNAE também podem estar sendo vítimas de contaminação por agrotóxicos e principalmente nas escolas rurais, há risco de consumo de água contaminada.

O Alto Xingu, região onde se localiza São Félix do Xingu, é uma das maiores produtoras de cacau do estado do Pará, mas a produção está sendo drasticamente afetada pela irresponsabilidade e conduta criminosa de fazendeiros e pessoas mal informadas que fazem uso de agrotóxicos sem a devida licença e sem tomar qualquer medida preventiva a danos em áreas circunvizinhas. A produção de cacau orgânico também está correndo sérios riscos e as famílias que possuem certificado de produção orgânica estão com medo de perderem o selo de qualificação como produção orgânica. Pois, mesmo tendo seguido rigorosos controles de pragas e doenças de modo agroecológico, sucumbem ao “bafo” do veneno, que é a deriva de agrotóxico, causando a murcha e perda da produção e comprometimento à saúde. 

O impacto devastador dos agrotóxicos ao meio ambiente e à saúde é de notório conhecimento e deve ser tratado como uma questão de saúde pública. A exposição ao veneno – sobretudo o glifosato e o 2,4-D, que é um dos componentes do Agente Laranja, utilizado na Guerra do Vietnã e são agrotóxicos amplamente usados na região – e o consumo de alimentos contaminados, principalmente a carne, legumes, frutas e verduras expostos à deriva desses agrotóxicos é um fator de risco para uma série de doenças, como câncer de estômago, pulmão, próstata, testículos, leucemias, linfomas, e de anomalias congênitas em fetos e desfechos obstétricos – tais como a prematuridade, perda gestacional, baixo peso, leucemia infantil, alergias e problemas de neurodesenvolvimento –, conforme comprova estudos realizados no Mato Grosso.2

O lastro de resíduos deixados pela deriva dos agrotóxicos contamina o ar, a água e vegetação nativa – nem mesmo as áreas de reserva ambiental e nascentes de água estão sendo poupadas – segue atingindo residências rurais e plantações. No entanto, as maiores causadoras dos danos às comunidades e ao meio ambiente – grandes fazendas e empresas da região com poder político e econômico – se beneficiam do medo que as vítimas têm de denunciarem, e assim continuam impunes. Ao mesmo tempo, a Secretaria de Meio Ambiente está tão desestruturada para atender qualquer demanda ambiental que não há sequer fiscalização suficiente para a averiguação dos crimes ambientais quando são denunciados. Quando há a imposição de multas, estas são aplicadas em valor tão irrisório que acaba compensando para os fazendeiros continuarem a jogar veneno sem se preocuparem com danos ambientais ou vítimas. O Poder Público nada faz para apoiar as famílias que são atingidas, nem adota política que promova a redução da ocorrência do crime contra o meio ambiente. Mas age de modo a instigar essa prática com a promoção de eventos que incentivam mais pessoas a adquirirem drones para prestarem esse tipo de serviço. 

A falta de controle na venda de agrotóxicos somada à ineficiência da fiscalização desses produtos pelos órgãos responsáveis deixa entrar na região substâncias de uso proibido por serem cancerígenas. É de conhecimento público que em há o uso do Meturon, conhecido como “pó da china”, que é contrabandeado para a aplicação na limpeza dos pastos, a exemplo da apreensão feita pela Polícia Federal de 100 quilos deste agrotóxico em Redenção. O destino do mesmo seria o município de São Félix do Xingu, conforme visto no noticiário.3

Atualmente, encontra-se em vigor a Instrução normativa nº 01/2024, que determina áreas sensíveis à pulverização de agrotóxicos na região: Taboca, Ladeira Vermelha, Lindoeste, Nereu, Sudoeste, Teilândia, Santa Rosa, Xadá e Assentamento Tancredo Neves. No entanto, em que pese a importância do instrumento e a sua necessidade de permanecer no ordenamento jurídico do município, a existência da normativa não conseguiu minimizar a ocorrência dos crimes ambientais – nem mesmo nas áreas denominadas sensíveis apontadas pela portaria – devido à morosidade e inoperância da Secretaria de Meio Ambiente em realizar fiscalizações.

O Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) realizou um seminário onde foram abordados os impactos dos crimes ambientais relacionados aos agrotóxicos na geração de desigualdades sociais. Na zona rural há notória perda de plantações, e com isso dificuldades econômicas de quem depende da produção para viver; há medo difundido de denunciar os donos das fazendas praticantes das pulverizações – mesmo que façam vítimas todos os anos – por temerem ameaças; há uma grande incerteza das famílias atingidas pelos agrotóxicos em continuarem na terra, haja vista que, ano a ano, a agricultura está se tornando impraticável. 

Ao contrário das organizações sociais, que estão lutando pelo direito à saúde, ao meio ambiente, à produção de alimentos agroecológicos, à alimentação saudável, o Poder Público local está preocupado apenas em promover cursos de manuseio de drones para a aplicação de agrotóxicos, resultando na ampliação do problema, a exemplo do chamado “1º Workshop Agro drone do Xingu” que ocorreu no dia 28 de março em São Félix do Xingu.  

2. Diante da pouca ou nenhuma resposta do Poder Público diante da escalada dos problemas relacionados aos agrotóxicos no município, conclui-se que a Prefeitura Municipal de São Félix do Xingu:

a) Não está preocupado com o crescimento exponencial de ditos profissionais que fazem a aplicação de veneno (droneiros) que, com ou sem capacitação, estão aplicando agrotóxicos sem seguir nenhuma norma ambiental e promovendo uma tragédia química na região;

b) Não está preocupado em ampliar as equipes de fiscalização para combater os crimes ambientais praticados pelos contratantes e contratados para a aplicação de agrotóxicos, tendo em vista o aumento dos droneiros, mas age de modo a incentivar o aumento da oferta desse tipo de serviço ao realizar capacitação sem real conteúdo formador, aumentando o contingente de operadores de drones que deixam um lastro de morte por onde passam;

c) Não está preocupado em abrir espaço para o debate sobre os impactos da deriva de agrotóxicos na agricultura familiar e amparo às vítimas, mas cria espaços de discussão com enfoque unicamente em produtividade em detrimento da saúde da população;

Diante de todo o exposto, as organizações denunciantes exigem do Poder Público

  1. Investimento no fortalecimento das equipes de fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente, com a alocação de servidores idôneos e que não estejam alinhados às forças políticas e/ou econômicas e nem comprometidos com a defesa de interesses privados dentro da máquina pública na região, para que as denúncias que chegam à Secretaria sejam tratadas de modo a responsabilizar os infratores que causam danos às comunidades atingidas por agrotóxicos e, especialmente, ao meio ambiente; 
  2. Estruturação de rondas periódicas pela Secretaria de Meio Ambiente durante toda a época de pulverizações de agrotóxicos (novembro a março), principalmente nas áreas apontadas como sensíveis pela Instrução Normativa nº 01/2024, onde há maior produção de alimentos que abastecem o comércio local a fim de que haja maior fiscalização e coibição das pulverizações dos agrotóxicos, haja vista o seu poder lesivo ao meio ambiente e à saúde das famílias.  
  3. Investimento de recursos no fortalecimento da agricultura familiar, principalmente no amparo à recuperação das áreas atingidas pela deriva de agrotóxicos, fortalecendo a Secretaria de Agricultura a prestar assistência técnica às vítimas e disponibilizando recursos para reverter a destruição causada pelo veneno; 
  4. 4. Criação de espaços, não apenas para o treinamento de “droneiros”, como tem ocorrido, mas que sejam debatidas e encaminhadas ações do Município para minimizar os efeitos do impacto devastador dos agrotóxicos nas comunidades que tradicionalmente produzem alimentos e como ampará-las;
  5. Através da Secretaria de Meio Ambiente, para que:
    • a. Faça com rigor o controle do comércio de agrotóxicos, das vendas que são feitas para clientes sem a assinatura de um responsável técnico, haja vista que todos possuem responsabilidade sobre os impactos causados pelo veneno;
    • b. Exija das lojas e pontos comerciais a apresentação de autorização do órgão ambiental para a realização de vendas de veneno, 
    • c. Fiscalize a atuação dos chamados “droneiros”, haja vista não haver nenhum controle sobre a atividade que causa tantos danos na região; 

Por fim, as organizações abaixo listadas requerem da Prefeitura Municipal de São Félix do Xingu que esclareça à população – zona rural e zona urbana – quais políticas públicas ou medidas estão sendo tomadas para o amparo às vítimas dos agrotóxicos e para a proteção da saúde pública e proteção da produção de alimentos consumidos no município, tanto pelos estudantes da rede pública de ensino, quanto pela população em geral.

Não queremos veneno na nossa mesa. 

O agro é tóxico.

São Félix do Xingu, 14 de maio de 2025.

  • Comissão Pastoral da Terra do Alto Xingu
  • Comissão Pastoral da Terra Regional Pará
  • Caixa Agrícola dos Colonos Unidos do Xingu (Cacuxi)
  • Associação das Mulheres Produtoras de Polpa de Frutas (Amppf)
  • Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Terra Roxa
  • Cooperativa Alternativa Mista dos Pequenos Produtores do Alto Xingu (Camppax)
  • Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).

Notas de rodapé:

  1. Leia o artigo: “Como minimizar os efeitos das contaminações externas de agrotóxicos”. ↩︎
  2. Consulte: “Como minimizar os efeitos das contaminações externas de agrotóxicos”. ↩︎
  3. Leia o artigo: “Implications of inhalation bioaccessibility for the exposure assessment of drifting airborne pesticides caused by field spraying”
    . Tradução livre: “Implicações da bioacessibilidade por inalação para a avaliação da exposição de pesticidas aerotransportados à deriva causados ​​pela pulverização em campo.” ↩︎
  4. Consulte: “Campeão no uso de agrotóxicos, Mato Grosso tem municípios agrícolas com maior risco de mortes fetais e anomalias em bebês”. ↩︎
  5. Pesquise: “Substância tóxica “pó da China” é apreendida em Redenção”. ↩︎

Acesse o relatório Conflitos no Campo Brasil 2024 neste link.

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