Com as mãos na terra, os pés no chão e os saberes comunitários

Encontro Estadual de Agroecologia, realizado em Goiânia (GO), amplia a visão sobre o que é produzir agroecologicamente

Por Comunicação CPT Goiás
Fotos: Francisca Marta, Luiz Fernando e Marilia da Silva / CPT Goiás

Encontro foi realizado no Instituto São Francisco de Assis e contou com Feira Agroecológica (Fotos: Francisca Marta Jacinto)
Encontro foi realizado no Instituto São Francisco de Assis e contou com Feira Agroecológica (Fotos: Francisca Marta Jacinto)

Comunidades acompanhadas pela CPT Goiás se reuniram nos dias 29 e 30 de abril, no Instituto São Francisco de Assis, em Goiânia, para o Encontro Estadual de Agroecologia. Com palestras, rodas de conversa, momentos de apresentação das comunidades e Feira Agroecológica, o encontro pôde ampliar a visão das famílias agricultoras sobre os temas que envolvem a resistência na terra por meio da produção agroecológica e proporcionou momentos de celebração, trocas de experiência e vivências para fortalecimento das práticas em andamento.

Foram dois dias de vários debates e formações (Fotos: Francisca Marta, Luiz Fernando e Marilia da Silva / CPT Goiás)
Foram dois dias de vários debates e formações (Fotos: Francisca Marta, Luiz Fernando e Marilia da Silva / CPT Goiás)

SABERES DO POVO DA TERRA

Uma mentira contada muitas vezes acaba se tornando “verdade”. Assim Wilson Mozena, da Escola de Agronomia da UFG, explica a crença de que a agricultura tecnológica, os transgênicos e os agrotóxicos podem solucionar o problema da fome. O professor foi um dos palestrantes do Encontro Estadual de Agroecologia da CPT Goiás, onde falou um pouco sobre a história da resistência agroecológica no Brasil.

Desde a década de 1920, visionários e visionárias já diziam que o afastamento das relações ecológicas e ambientais traria consequências desastrosas para a humanidade. No campo, as comunidades já sofrem com os resultados do modelo imposto pelo agronegócio: o descontrole de pragas, a contaminação das águas, o adoecimento das pessoas. E a fome persiste.

Celebração de abertura do Encontro Estadual de Agroecologia (Fotos: Francisca Marta Jacinto)
Celebração de abertura do Encontro Estadual de Agroecologia (Fotos: Francisca Marta Jacinto)

O termo “Agroecologia” denomina um conjunto diverso de propostas e práticas que resistiram à industrialização da agricultura. A agroecologia não é uma disciplina acadêmica: ela emerge da conexão entre saberes tradicionais dos povos agricultores em conexão com a terra, observando e respeitando como se dá o equilíbrio entre os seres e o ambiente, e aplicando isso às práticas de produção de alimentos.

“Se a gente hoje tem condições de produzir ecologicamente não é devido aos conhecimentos das universidades. O povo brasileiro possui um conhecimento imensurável sobre como produzir no Cerrado, sem adubo químico e agrotóxico. São heróis que conseguiram resistir na terra, produzindo, em condições que não eram ideais”, explica o professor. 

Atualmente, diz o professor, a quantidade de alimentos produzidos no mundo daria para alimentar três vezes a população mundial. “O que vai salvar o mundo da fome”, avalia o professor WIlson, “não é a defesa incondicional das inovações tecnológicas, mas, sim, o fim da exclusão e a agricultura familiar de base agroecológica”. 

MULHERES NO CAMPO E A RESISTÊNCIA AGROECOLÓGICA


Agricultora da Ipameri fala com orgulho sobre o seu trabalho. “Lá a gente produz por meio da Associação, com apoio da Irmã Inês, com a mão na terra, o pé no chão e o conhecimento da comunidade”. Há 7 anos, as famílias se organizam por meio da Associação Estadual Agroecologica de Goiás (Aesago) para produção e fornecimento de alimentos saudáveis, livres de veneno, para a merenda de escolas públicas da região, por meio do PNAE.

Irmã Inês, agente pastoral da CPT Goiás, relata que o trabalho das mulheres do campo é carregado do cuidado do meio ambiente. Esse olhar promove uma produção diversa, e é essa diversidade de vida no ambiente o que garante que se possa manter as plantas saudáveis.

“Tivemos uma experiencia este ano, com o ataque da cigarrinha no milho. Um agrônomo esteve em uma unidade de produção nossa e ficou impressionado, porque lá não tinha cigarrinha. As próprias plantas se protegem das pragas. Só quem produz, só quem está lá, que percebe isso”, narrou Irmã Inês.

Bilac, do Acampamento Dona Neura, e Alcione, do Acampamento Dom Tomás Balduíno, ambos organizados junto ao MST, falaram sobre a importância da universidade ir até as comunidades para conhecer o trabalho que é realizado pelas famílias nos acampamentos e assentamentos de Goiás, para conhecer as produções agroecológicas que os movimentos de luta pela Reforma Agrária incentivam em todo o estado.

PRODUTOS AGROECOLÓGICOS E IDENTIDADE CAMPONESA

A professora Gislene Auxiliadora, da Escola de Agronomia da UFG, também participou do encontro. Ela chamou atenção para a necessidade de encontrar formas de distribuição da produção agroecológica que garantam a preservação de seus valores identitários.

“Às vezes a gente pega um produto riquíssimo, que traz a nossa história, nossa cultura, e entrega para um atravessador ou um comércio onde ele passa a não ter mais identidade. Temos orgulho do nosso sistema de produção e isso precisa ser visto nos produtos”, avalia a professora.

Comunidades participantes expõem produtos na feira do encontro (Fotos: Francisca Marta/ CPT Goiás)
Comunidades participantes expõem produtos na feira do encontro (Fotos: Francisca Marta/ CPT Goiás)

Ela também chamou atenção para como a agroecologia pode garantir a autonomia produtiva dos trabalhadores rurais, livrando-os da dependência das casas agropecuárias. “A gente fala da importância das sementes crioulas. Não tem nada que empodera mais um produtor do que poder dizer que é dono de suas sementes. Ele estufa o peito e diz: eu planto as sementes que meu pai plantava, que meu avô plantava. Quando a gente fala das sementes a gente também fala de identidade e história, além de autonomia”, disse Gislene. 

Produzir agroecologicamente é participar de um ciclo compreendendo e respeitando a conexão entre as formas de vida no ecossistema onde vivemos e em todo o planeta. É alimentar a terra que nos alimenta. 

Comunidades participantes expõem produtos na feira do encontro (Fotos: Francisca Marta/ CPT Goiás)
Comunidades participantes expõem produtos na feira do encontro (Fotos: Francisca Marta/ CPT Goiás)

A prática atualiza de forma permanente o que é a Agroecologia, não apenas pelo que as comunidades reinventam, recuperam e transformam nas práticas tradicionais de cultivo e também nas práticas como propostas por estudos técnicos, mas também porque os desafios impostos pela terra. As novas gerações terão outras experiências e terão que se adaptar! 

CAMINHANDO PELOS TEMAS DO ENCONTRO

No segundo dia do encontro, o grupo foi guiado por Leila Lemes, da CPT Goiás, e Simone Oliveira, da Campanha Cerrado, por todo o quintal do Instituto São Francisco de Assis, em caminhada, ou peregrinação. A cada parada, em diferentes espaços de roda, diferentes temas foram discutidos, em sua relação com a agroecologia: “Reforma Agrária”, “Agrotóxicos”, “Mulheres”, “Medicina Natural”.

Maria Eduarda, 17 anos, é egressa da Escola Família Agrícola de Orizona e vem participando desde 2022 dos encontros de Jovens do Cerrado organizados pela CPT Goiás. Neste Encontro Estadual de Agroecologia, ela protagonizou um momento bastante importante, estando a frente de uma discussão sobre Agroecologia e Mulheres, onde apresentou experiências de sua região na organização de mulheres das comunidades camponesas.

Como jovem, mulher e do campo, filha de outra mulher, também camponesa, ela lê todo o universo de questões compartilhadas neste cenário com a garra própria da juventude, e incentiva que as suas mais velhas mirem também mais adiante, num futuro que talvez só ela consiga enxergar agora. Maria Eduarda compartilhou um suco de maracujá pérola feito por ela e pela mãe, com todos os presentes, adocicando o momento coletivo.

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