No ano do fogo, brigadas resistem na proteção dos territórios e da biodiversidade
Dos incêndios computados pelo Cedoc-CPT no primeiro semestre de 2024, 85% tiveram agente causador identificado, sendo que metade deles eram fazendeiros
Por Heloisa Sousa | Comunicação Nacional

Em agosto de 2019, uma série de incêndios florestais coordenados por pecuaristas e grileiros do Pará, com objetivo de desmatar áreas da Amazônia para pastagem, chamou a atenção do Brasil no que ficou conhecido como “Dia do Fogo”.
Em agosto de 2024, novamente, o País foi tomado pelo fogo e pela fumaça. Dessa vez, nos dias 22 e 23 de agosto, a ação orquestrada por fazendeiros ocorreu no interior de São Paulo. Esses incêndios se somam a outros milhares que atingiram o Brasil no último ano, afetando a população dos centros urbanos e diversas comunidades no campo, deixando cicatrizes nos territórios.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, em 2024, 278.299 incêndios florestais foram identificados, número mais alto desde 2010. O uso do fogo, comumente utilizado pelo agronegócio para abrir áreas para monocultivo e pastagem, e as mudanças climáticas, que tem intensificado os períodos de seca, são fatores que contribuem para o aumento desse número.
Além disso, há os incêndios criminosos nos territórios, provocados em contexto de conflitos no campo contra as comunidades. De 2019 a 2023, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc-CPT) registrou 644 incêndios provocados em contexto de conflitos no campo. No ano passado, o brigadista Uellington Lopes morreu em Mato Grosso combatendo um incêndio na T.I. Capoto/Jarinã. Também em 2024, o brigadista Sidney de Oliveira foi assassinado em Tocantins após sofrer diversas ameaças de fazendeiros e grileiros da região devido ao seu trabalho de combate aos incêndios.
Ferramenta ancestral
O fogo está presente na vida dos povos como aliado em seus processos de preparo dos roçados, controle de pragas, na rebrota de pastagens nativas, abertura de trilhas e até para extração do mel de abelha. Diferente do agronegócio, a utilização do fogo pelas comunidades se dá por meio do conhecimento ancestral.
“O agro usa o fogo para desmatamento e também no processo de expansão da grilagem de terra e da pecuária. Então eles acabam não controlando o fogo, o que é diferente das comunidades que utilizam o fogo de forma controlada” explica Jaqueline Vaz, coordenadora da Articulação Agro é Fogo. “O fogo do agro é feito em períodos de estiagem, eles não têm essa responsabilidade e esse fogo acaba se alastrando e provocando os incêndios”, completa.
Jaqueline destaca ainda a atuação da Agro é Fogo na cobrança aos órgãos públicos a respeito do combate aos incêndios. “A gente viu no ano passado que ainda é muito frágil esse processo de combate porque não tem investimento pra isso e a gente tem cobrado do Governo Federal que se faça um investimento nos processos de combate aos incêndios. E uma das coisas que a gente quer levar pro Ministério do Meio Ambiente também é para que se reconheça a função dos brigadistas como profissão e que eles não sejam contratados só no tempo de apagar o fogo”.
Mesaque Rocha, morador da aldeia Alves de Barros, T.I. Kadiwéu, localizada no município de Porto Murtinho (MS), é brigadista desde 2013 e conta que a fumaça e a fuligem dos incêndios criminosos próximos à comunidade têm provocado diversos transtornos. “Há um acúmulo de fumaça em cima da comunidade, que fica bem no pé de uma serra. Essa serra retém a fumaça e isso aumenta a quantidade de doenças respiratórias na comunidade”. Ele destaca também a grande distância até a cidade, que dificulta o tratamento das doenças decorrentes das fumaças dos incêndios.

Guardiões da biodiversidade
Além dos danos físicos aos moradores das comunidades, há os danos na biodiversidade, muitas vezes, irreversíveis, como a perda do patrimônio genético. Por isso, além de apagar o fogo, os brigadistas realizam ações de educação ambiental nos territórios. Mesaque conta que, mesmo nas comunidades, a utilização do fogo se modificou nos últimos anos em decorrência das mudanças climáticas, assim, o trabalho de conscientização é fundamental.
“A brigada que existe dentro do T.I. Kadiwéu é contratada pelo PrevFogo Ibama somente no período crítico, de junho a novembro ou de julho a dezembro. Mas, como somos moradores da comunidade, a gente tem atuado fora desse período conversando com a comunidade para orientar sobre o uso do fogo antes desse período”, relata o brigadista.
Desde 2019, a brigada vem trabalhando no mecanismo de defesa conhecido como queima prescrita, que consiste no manejo de locais com maior acúmulo de biocombustível. Fazendo a queima antecipada desses locais, se formam barreiras e mosaicos verdes que servem de abrigos para os animais e refúgio caso aconteça um incêndio.
Essas atuações resultaram, em 2021, na criação da Associação dos Brigadistas Indígenas da Nação Kadiwéu (Abink), que conta com projetos de preservação de nascentes e produção de mudas. “Através da associação, conseguimos alguns equipamentos que a gente utiliza na brigada e também um projeto em parceria com o Instituto Terra Brasilis para montar uma sala de situação com câmeras de monitoramento dos incêndios no território Kadiwéu”, completa.
