Conflitos por terra e água aumentam e revelam o acirramento da violência no campo brasileiro em 2024

Em 2024, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), através do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino (Cedoc), registrou 1.768 ocorrências de conflitos por terra, o que representa cerca de 80% de todos os conflitos no campo registrados (2.185). Comparado a 2023, quando foram contabilizadas 1.766 ocorrências, houve um pequeno aumento, resultando no maior número registrado na última década.

A maior parte dos conflitos são de violências contra a ocupação e a posse (1.680), e inclui despejos e expulsões, ameaças de despejos e expulsões, destruição de casas, roças e pertences, pistolagem, grilagem, invasões e outras violências. Os registros somam 904.532 pessoas envolvidas nos conflitos por terra, o maior número nos 10 anos da série histórica. Já as ações de resistência tiveram diminuição em relação a 2023, tanto de ocupações e retomadas (de 124 para 78) quanto de acampamentos (de 18 para 10).

O estado do Maranhão lidera nos conflitos por terra (363), seguido do Pará (234), Bahia (135), Rondônia (119) e Amazonas (117). O destaque é para o aumento significativo nos casos de contaminação por agrotóxicos, com 276 ocorrências registradas em 2024, em comparação com 32 ocorrências em 2023, representando um crescimento aproximado de 762%. A maioria dessas ocorrências foi registrada no Maranhão (228), onde comunidades tradicionais estão enfrentando graves consequências em decorrência da pulverização aérea de agrotóxicos.

Os principais conflitos nos quais houve diminuição nas violências foram nos registros de expulsão, despejo judicial, ameaça de despejo, pistolagem, grilagem, invasão e destruição de pertences. Por outro lado, houve aumento nas ameaças de expulsão (de 98 para 245, aumento de 150%), desmatamento ilegal (150 para 209, crescimento de 39%), incêndio (91 para 194, ou 113% de aumento), e a já citada contaminação por agrotóxicos.

A região mais afetada pelos incêndios foi a Amazônia Legal, com destaque para o estado de Mato Grosso, responsável por 25% de todos os casos de incêndios registrados no território nacional. Já o estado do Pará concentrou 20% de todos os casos de desmatamento ilegal ocorridos no País. Em um país inteiro que pegou fogo em 2024, este impacto atingiu inclusive as famílias de brigadistas populares. Em diversas comunidades, tem sido percebido o uso criminoso do fogo como instrumento de expulsão das famílias.

Quem causou e quem sofreu violência – Os fazendeiros são quase a metade dos agentes causadores da violência por terra (44%), sendo também os principais responsáveis pelos casos de incêndios (47%) e desmatamento ilegal (38%). Grileiros, empresários e madeireiros completam a lista dos maiores causadores de conflitos e violências. Quanto aos segmentos que mais sofrem violência, os povos indígenas continuam na liderança com 29% dos registros (481), mas também houve um aumento expressivo na quantidade de conflitos sofridos por posseiros (425) e quilombolas (221), especialmente entre os povos e comunidades tradicionais do Maranhão.

Grupo “Invasão Zero” – Dentre as violências registradas nos conflitos por terra, chama a atenção as ligadas ao grupo ruralista surgido na Bahia, composto por grandes fazendeiros e proprietários de terras, autodenominado “Movimento Invasão Zero”. O grupo é conhecido por suas ações violentas contra famílias em situação de acampamento, ocupações e retomada de territórios, contando com o apoio de milícias, agentes de segurança privada e forças policiais. Além das atuações diretas em conflitos no campo, o grupo também exerce influência nas casas legislativas brasileiras, promovendo propostas de lei que buscam, sobretudo, a criminalização das ocupações de terras e das retomadas de posse por comunidades tradicionais e movimentos sociais.

Nos estados de Goiás, Maranhão, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Pará e Pernambuco, ocorreram ações assumidas e/ou comprovadas enquanto ataques violentos por parte do grupo Invasão Zero. Já em outros estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará e Santa Catarina, também ocorreram ataques coordenados de grupos de fazendeiros, onde há suspeitas de que tenham sido articulados pelo Invasão Zero.

Conflitos pela Água

No ano de 2024, foram registradas 266 ocorrências de Conflito pela Água, representando o 3° maior número de casos nos últimos 5 anos. Em relação a 2023, o número de conflitos pela água voltou a subir, indicando assim, um aumento de 16% nos casos registrados.

É importante lembrar que, no entendimento histórico da CPT, conflito pela água é toda ação que representa a resistência dos povos do campo frente à destruição e/ou poluição de cursos de água e lençóis freáticos. Além disso, também caracteriza a mobilização frente à apropriação particular da água e o combate à construção de hidrelétricas e barragens, bem como a luta para amenizar as suas consequências. Os estados que mais sofreram com violências pela água foram o Pará, com 65 ocorrências (24% do total), seguido por Maranhão, com 45, Minas Gerais, com 30, e Bahia, com 22.

Nos registros de 2024, existem dois principais tipos de violência pela água, que são “Uso e preservação” (71%) e “Barragens e açudes” (23%). Os conflitos por “Uso e preservação” da água lideram com 70% dos registros, seguidos de “Barragens” (23%) e “Apropriação da água” (7%). Houve aumento nas situações de “Não cumprimento de procedimentos legais” (de 79 para 84), “Destruição e poluição” (de 59 para 69) e “Contaminação por agrotóxico”, sendo o maior aumento (de 26 para 40 registros).

Quando há a situação de conflito por “Não cumprimento de procedimentos legais”, quer dizer que, na maioria dos casos, o Estado, seja na esfera federal, estadual ou municipal, já está envolvido no conflito, geralmente atuando como mediador de um acordo entre agente causador e vítima, que acaba sendo descumprido ao longo do processo de compensação de danos.

Causadores e vítimas dos conflitos pela água – As principais vítimas dos conflitos pela água foram os povos indígenas (71 registros), quilombolas (58), ribeirinhos (28) e posseiros (27). Pescadores e pequenos proprietários aparecem em 24 registros cada. Em relação aos principais agentes causadores dos conflitos, os empresários lideram com 64 ocorrências, seguidos por fazendeiros (58), o Governo Federal (36), mineradoras (34), hidrelétricas (31) e garimpeiros (14).

Regiões de fronteira agrícola

Amazônia Legal – a região registrou 998 conflitos por terra (o 2º maior número em 10 anos), 155 conflitos por água (os maiores registros), principalmente ligados à contaminação por agrotóxicos e mercúrio. Houve redução na quantidade de vítimas da violência contra a pessoa (de 1.116 para 727), mas é um número que continua alto.

Amacro – A região compreendida entre a divisa dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia registrou um ligeiro aumento nos conflitos por terra (de 183 para 185), redução de conflitos por água (16 para 10), e também redução na quantidade de ocorrências da violência contra a pessoa (218 para 73).

Matopiba – A região de expansão do agronegócio que inclui Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia registrou o maior número de conflitos por terra na série histórica (de 238 para 415), e aumento nos conflitos por água (de 23 para 39). Houve redução na quantidade de vítimas da violência contra a pessoa (161 para 115), mas esta continua sendo uma região bastante violenta, em números relativos à área.

Serviço Lançamento nacional do relatório Conflitos no Campo Brasil 2024

Data: 23 de abril de 2024 (quarta-feira), a partir das 9h

Local: Sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB (Setor de Embaixadas Sul Quadra 801 Conjunto B – Asa Sul)

Para solicitar os dados brutos, entre em contato com a Assessoria de Comunicação: comunicacao@cptnacional.org.br

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