Carta aberta à Sociedade Brasileira e à Presidência da República e ao Congresso Nacional sobre a destruição do Cerrado pelo MATOPIBA

Primeiro Encontro Regional dos Povos e Comunidades do Cerrado aconteceu entre os dias 23 e 25 de novembro, no espaço de acolhida e formação Casa Dona Olinda, região de Araguaína, Tocantins. Cerca de 170 pessoas – do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – estiveram presentes. Confira a Carta Final do Encontro:

Nós, Camponeses(as), Agricultores(as) Familiares, Povos Indígenas, Quilombolas, Geraizeiros(as), Fundos e Fechos de Pasto, Pescadores(as), Quebradeiras de Coco e outros, reunidos(as) no I ENCONTRO REGIONAL DOS POVOS E COMUNIDADES DO CERRADO, em Araguaína – Tocantins, nos dias 23, 24 e 25 de novembro de 2015 , para debater sobre  “PDA MATOPIBA e as consequências para os Povos do Cerrado”, viemos INFORMAR e MANIFESTAR à Sociedade Brasileira, à Presidência da República e ao Congresso Nacional do Brasil:

– Que a política nacional de desenvolvimento agropecuário, através do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA (PDA-MATOPIBA), instituída através do Decreto nº 8447, nada mais é que a velha e contínua política desenvolvimentista do período militar e atual, maior promotora de violências, de degradação ambiental, trabalho escravo e desigualdades sociais e econômicas do campo brasileiro.

– Que a delimitação territorial do MATOPIBA, abrangendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, impactará, agressivamente, o bioma Cerrado, “berço das águas”, onde encontram-se os maiores aquíferos do planeta, as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônica/Araguaia-Tocantins, São Francisco e Prata), e a mais rica biodiversidade brasileira.

– Que a desconsideração desta diversidade biológica, cultural e de povos, por parte dos sucessivos governos, das elites econômicas, políticas e até mesmo acadêmicas, autorizou que, nos últimos anos, estas áreas fossem griladas e ocupadas pela expansão de um modelo agrário/agrícola com base na monocultura devastadora implantada pelos latifúndios empresariais – o agronegócio.

– Com caráter de manipulação política, estão sendo desconsiderados e invisibilisados dezenas de povos que, há diversos anos, buscam a regularização de suas terras. Com isso, numa região de graves conflitos, aumentarão ainda mais os problemas socioambientais.

Por isso, nós, povos e comunidades do Cerrado, movimentos sociais e sindicais, organizações de apoio e assessoria, signatários desta carta, a partir de nossas reflexões e debates, viemos manifestar o nosso posicionamento CONTRA o PDA MATOPIBA, pois:

– Promoverá ainda maior destruição da vida e exclusão de povos do Cerrado, vindo reforçar o crescimento do êxodo rural, o aumento da pobreza e a invisibilidade das populações existentes no território. O PDA MATOPIBA não representa desenvolvimento, pois atinge os modos de vida das comunidades do Cerrado;

– Não é um projeto de desenvolvimento sustentável, pois “mata” a água, a terra, o bem viver dos povos indígenas, quilombolas, camponeses e demais comunidades;

– Aumentará a grilagem das terras e a violência física e psicológica contra as populações do Cerrado;

– Aumentará a degradação ambiental, agravando ainda mais os problemas hídricos: rios estão secando, águas estão sendo envenenadas, matas ciliares estão desaparecendo e áreas de recarga dos aquíferos, ocupadas pelas monoculturas, perdendo sua capacidade de recarga;

– Irá beneficiar apenas as grandes empresas nacionais e multinacionais, os latifundiários do agronegócio, visando somente o seucrescimento econômico;

– Trará mais impactos negativos ao meio ambiente e às populações tradicionais do entorno, com destruição das matas e solos pelo uso intensivo de tratores e “correntões” – forma usada para desmatar o Cerrado – e pelo abusivo uso de agrotóxicos com pulverização aérea intensiva;

– Aumentará apenas o poder econômico do agronegócio e opolítico dos atuais parlamentares comprometidos com o mesmo;

– Fortalecerá uma estratégia política e pessoal da senadora, ex-presidente da CNA e atual ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Katia Abreu (PMDB-TO), através da busca de maiores investimentos de recursos do governo federal, via MATOPIBA, para o estado do Tocantins, visando a viabilização de seuprojeto político eleitoral.

   Diante desta situação Repudiamos e Denunciamos:

– A Violência contra as comunidades camponesas, perpetrada pelo agronegócio aliado ao Estado e ao poder Judiciário, que tem imposto uma situação de barbárie, com aumento dos conflitos, ameaças de morte e assassinatos no campo. Como lamentável exemplo citamos a situação de Campos Lindos, no Tocantins, e a expulsão da pequena agricultora Dona Raimunda e sua comunidade, moradores há 62 anos na sua terra, no município de Barra do Ouro. O Juiz Luatom Bezerra, da Comarca de Goiatins (TO), emitiu ordem judicial de despejo a pedido do grileiro e sojicultor Emilio Binotto;

– A crescente compra de terra por grupos estrangeiros nas áreas do MATOPIBA e demais regiões dos biomas Amazônia e Cerrado;

– A Transposição do Rio São Francisco que tem provocado a morte dos diversos rios e igarapés existentes no Cerrado e Semiárido; e a iminente ameaça da implementação do projeto de transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco;

– O aumento das autorizações para desmatamento e outorgas de água para monoculturas irrigadas na região Oeste da Bahia, tendo como modelo a ser implantado os chamados “piscinões” da Fazenda SUDOTEX no município de Correntina (BA);

– A Construção da hidrovia Araguaia-Tocantins e das barragens de Marabá, Serra-quebrada, Santa Isabel, Perdida Dois e Rio do Sono; além dos projetos de asfaltamento de estradas em Terras Indígenas, como as TO-126, TO-010, TO-500 e de abertura da Transbananal, que como a construção da Ferrovia de Integração Leste-Oeste (FIOL), MT-TO-BA, da ferrovia Norte Sul e do Porto de Itaquí, no Maranhão, causarão danos irreparáveis ao meio ambiente e às populações locais;

– A paralisação das ações discriminatórias por pressão do agronegócio no Oeste da Bahia;

– A desconstrução dos direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas através da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do Executivo para o poder Legislativo a demarcação das Terras Indígenas, titulação dos Territórios Quilombolas, e a criação de unidades de conservação; da Portaria 303 (que quer estender as 19 condicionantes da área Indígena Raposa Serra do Sol para todas as terras indígenas); da PEC 237 (que facilita o arrendamento de Terras Indígenas) e o Projeto de Lei (PL) 1610 (mineração).

O Cerrado merece cuidado e respeito. Por isso, apelamos à consciência nacional, à Presidência da República e ao Congresso Nacional para que se ponha um fim à veloz destruição deste bioma, o mais antigo do planeta, se não quisermos passar para a posteridade o estigma de termos destruído, em poucas décadas, o que a Natureza levou milhões de anos a construir.

Araguaína, Tocantins, 25 de novembro de 2015.

Subscrevem a presente carta:

  1. CPT –Comissão Pastoral da Terra
  2. CIMI –Conselho Indigenista Missionário
  3. Articulação Camponesa do Tocantins
  4. APA-TO – Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins
  5. Escola Família de Campos Lindos – Tocantins
  6. MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu
  7. AMIQCB – Associação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu
  8. ASMUBIP – Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio
  9. Escola Família Agrícola Padre Josimo
  10.  Agência 10envolvimento
  11.  Rede Cerrado
  12.  Associação Pro-Cultura de Formosa do Rio Preto – Bahia
  13.  Colônia Z-64 Riachão das Neves – Bahia
  14.  Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de São Desiderio – Bahia
  15.  STR Santa Rita de Cassia – Bahia
  16.  MAB – Movimento dos Atingidos Por Barragens
  17.  Coletivo de Fundo e Fecho de Pasto do Oeste da Bahia
  18.  ACEFARCA – Associação Comunitária da Escola Família Agrícola Rural de Correntina e Arredores
  19.  MAISVERDE – Movimento Ambientalista Grande Sertão Veredas
  20.  CONVALE – Conselho Ambiental do Vale do Rio de Ondas –
  21.  AMB – Associação de Mulheres de Buriti do Tocantins
  22.  TEIA – Organização dos Povos Tradicionais do Maranhão
  23.  MOQUIBOM – Movimento Quilombola do Maranhão
  24.  COEQTO – Coordenação Estadual dos Quilombolas do Tocantins
  25.  CRB – Conferência dos Religiosos (as) do Brasil – Maranhão
  26.  CRB – Núcleo Miracema Tocantins
  27.  Pastoral Indigenista da Diocese de Grajaú – Maranhão
  28.  Associação União das Aldeias Apinajé Pempxa
  29.  Associação Mãkra-re do povo Krahô
  30.  CNS – Conselho Nacional das Populações extrativistas
  31.  Associação Comunitária Nova Santana – Piauí
  32.  Assentamento Rio Preto – Piauí
  33.  Assentamento Taboca, PA Flores – Piauí
  34.  Assentamento Barra do Correntinho – Piauí
  35.  Associação dos moradores das Melancias – Piauí
  36.  Movimento das Comunidades populares (MCP) – Maranhão
  37.  Diocese de Brejo – Maranhão
  38.  Assoxiação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Buriti – Tocantins
  39.  Associação da Comunidade Remanecente de Quilombo Grotão (ACOREG) – Tocantins
  40.  STR de Campos Lindos – Tocantins

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