Durante debate no último dia de atividades da reunião da SBPC, realizada em Goiânia entre os dias 10 e 15 de julho, engenheiro representante da CHESF afirmou que a construção da usina de Belo Monte, no Xingu, será realizada de qualquer jeito. Na ocasião, o engenheiro ainda ofendeu por várias vezes o cacique Raoni, afirmando que ele seria uma figura comprada pela mídia internacional.

 

Na tarde da última sexta-feira, 15 de julho, a última grande mesa de debates da 63ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que teve início em Goiânia (GO) no último dia 10, teve como tema “Belo Monte, Complexo Madeira, Tapajós e Tocantins”, e como debatedores o professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Alfredo Wagner Berno e o engenheiro da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), participante dos consórcios  responsáveis pelas obras do complexo Madeira e da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu, José Ailton de Lima.

O professor Alfredo Wagner começou as suas explanações comentando um artigo do economista Delfim Neto, publicado na revista Carta Capital, em que ele louvava a presença da presidenta Dilma Rousseff no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Santo Antonio, para acompanhar o início do desvio das águas do rio Madeira. No artigo, Delfim disse que esse ato seria um marco importante  a ser lembrado pelas próximas gerações, sobre o desenvolvimento da Amazônia através do complexo Madeira. Alfredo lamentou essa posição e colocou que para os cientistas, o conhecimento da realidade a ser impactada é de extrema importância e deve estar ao alcance da população, além da própria classe política, que precisa se atentar mais a essa questão.

Além disso, Berno falou que precisamos ter alguns questionamentos em mente para discutir a questão da construção de hidrelétricas em nosso país. Para quê precisamos dessa energia e, principalmente, para  quem vai essa energia? As usinas causam um impacto gigantesco sobre as comunidades, e o resultado de sua produção acaba sendo destinado para regiões como o sudeste do país, onde um shopping center da cidade de São Paulo gasta a mesma quantidade de energia que uma cidade com 100 mil habitantes. Precisamos refletir sobre as necessidades energéticas que realmente temos. Não se pode causar um estrago tão grande à Amazônia para alimentar um consumismo desenfreado, ou até mesmo para alimentar grandes empresas de capital internacional. Estamos deslocando famílias e causando danos irreversíveis para o meio ambiente brasileiro, para que países europeus continuem tomando suas cervejas e mantendo seu alto padrão de consumo. Segundo o professor, a reflexão sobre esses elementos é fundamental para se rediscutir o modelo energético que queremos para o nosso país.

Há, segundo Alfredo, em nosso país, atualmente, mais de 1 milhão de pessoas que foram deslocadas por conta da realização dessas obras. Esse “progresso” desenfreado traz diversas consequências, não só ambientais, para o cenário onde se desenvolvem. Há um aumento visível dos conflitos fundiários nessas regiões de hidrelétricas. Segundo ele, o grupo de estudo do qual faz parte da UFAM, tem a lista de todas as lideranças comunitárias já assassinadas por conta dessas questões nessas regiões, tendo, inclusive, os nomes dos pistoleiros responsáveis e dos possíveis mandantes dos crimes. Além disso, na região de Carajás se concentram os maiores índices de desmatamento.

O destino dessa energia produzida é um tema importantíssimo para o debate, já que, segundo o professor, no caso do Tocantins, por exemplo, ¼ da energia produzida vai para grandes empresas, enquanto isso, diversos povoados e comunidades que vivem no entorno das usinas, não possuem energia. “Um outro agravante é que grande parte dessas empresas recebem subsídios do governo para operar dessa maneira, produzindo para exportação, como é o caso da ALCOA”, frisou ele. Ou seja, o possível benefício para o povo brasileiro vindo dessas obras, se destina a outros países e não à nossa população.

Belo Monte: o exemplo das outras obras prevê um doloroso cenário

Sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, um projeto discutido desde 1975, o professor Alfredo avalia que o governo não tem mostrado flexibilidade para abrir esse tema ao debate. Vários problemas permeiam o intuito de realização dessa obra. Há, segundo ele, um subdimensionamento da área a ser impactada e do número de pessoas atingidas. Há, também, uma visível flexibilização da legislação, principalmente ambiental, como, por exemplo, ocorre no complexo Tapajós, onde houve redução das unidades de conservação. Além disso, há a violação de direitos humanos básicos em todo esse processo. Alfredo denunciou o caso das usinas já construídas e onde foram feitas pesquisas por uma Comissão Especial de Atingidos por Barragens, composta pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. O relatório, com mais de 100 páginas, produzido por essa comissão, mostra a quantidade de violações e desrespeitos aos direitos humanos, que foram cometidos nessas obras. E o governo, em contrapartida, se mostra alheio a essas informações.

Há ainda a questão da regularização fundiária a ser resolvida. 67 milhões de terras públicas precisam ser regularizadas. Alfredo citou o exemplo do estado de Rondônia, onde ¾ das terras agrícolas estão nas mãos de 300 proprietários somente. Isso corresponde a um montante de 24 milhões de hectares. E mesmo com esse panorama, o governo ainda quer dar continuidade a obras que irão agravar ainda mais a dura realidade fundiária no país, acirrando os conflitos e as consequências deles no campo brasileiro.

No caso de Belo Monte, o governo tem uma grande dificuldade em detalhar as comunidades no entorno da Volta Grande do Xingu. As imagens de satélite não mostram isso e, dessa forma, o governo não sabe quantas comunidades existem e quais são elas. Não há, além disso, pesquisa suficiente quanto à questão dos índios isolados. Segundo Alfredo, o trabalho de um antropólogo que fez uma pesquisa na região, catalogou a existência de, pelo menos, 32 povos isolados nessa região. Mas o governo e os órgãos competentes dizem não ter essas informações. “Em contrapartida, nós pesquisadores, bem como a sociedade como um todo, não temos clareza de informações que deveriam ser dadas pelo governo, como o projeto de construção de pelo menos 304 usinas na Amazônia!”, destacou o professor.

As lágrimas de Raoni e as ofensas do representante da CHESF contra o cacique

O engenheiro representante da CHESF, José Ailton, explicou aos participantes do debate que a empresa possui uma participação de 15% na construção da usina de Belo Monte, e iniciou uma apresentação dos benefícios de construções como essa para a população, usando o exemplo de Altamira, no Pará. Através de fotografias do modo de vida dos ribeirinhos da região, o engeneheiro resumiu como miserável a situação das comunidades que vivem nos igarapés na Amazônia. Segundo ele, “nós temos uma população pobre que precisa ser incluída, e para isso é preciso energia. Isso é um dever da sociedade brasileira. A não ser que essa sociedade abdique de se beneficiar dos confortos da vida moderna”. Segundo as reflexões de José Ailton, tudo que estaria fora desse precedente de vida moderna, poderia ser resumido como pobreza. Ainda segundo ele, é possível oferecer uma vida melhor aos povos dos igarapés, construindo para eles casas de alvenaria, com a possibilidade de energia elétrica e saneamento básico. O engenheiro, entretanto, não listou nesse mundo maravilhoso os custos que esses “miseráveis” teriam com essa vida moderna tão maravilhosa, segundo suas análises.

Ao se deter ao tema principal da mesa, que seria a usina de Belo Monte, José Ailton expressou veementemente a posição da empresa e, segundo ele, do governo diante das polêmicas dessa questão. “Não existe a opção de dizer que vamos ouvir o povo e que se ele disser que não sai da região a ser alagada, que isso vai mudar algo, porque não vai. A usina vai ser construída de qualquer maneira. Os governos são democraticamente eleitos e eles tem autoridade para fazer a lei valer!”. Completou ainda o seu raciocínio, “e se uma família não quiser sair? Não tem essa opção, ela tem que sair. Vai sair por bem, na negociação, ou... a lei vai ser aplicada!”.

Quanto à questão indígena nesse processo, a visão do engenheiro é ainda mais contundente. “Os índios não tem mais direitos que a gente, brasileiros, eles tem que se comportar de acordo com as nossas regras... O Raoni pode chorar um rio inteiro do lado do Xingu, porque a obra vai ser construída. Não adianta essas figuras internacionais, como o diretor do Avatar e o cantor Sting, ficarem andando para cima e para baixo com esse cacique, porque a obra vai sair... não será atingida nenhuma terra indígena... mas se tiver um cemitério no meio do caminho, vai ser alagado também, vai ficar debaixo da água!”. Suas ofensas contra o cacique não pararam, o engenheiro continuou a ofender a atuação do indígena dizendo que ele é uma figura comprada pela mídia internacional.

Mesmo depois de tantos insultos e diante do estarrecimento de todos os presentes,o engenheiro completou sua fala dizendo que não acredita em conversa, para ele conversas e diálogos não são a finalidade das ações deles. Ele, em suas próprias palavras, é um empreendedor que vai realizar uma obra pois quer o dinheiro, senão a empresa terá prejuízos. Dessa forma finalizou sua explanação, com uma frase que brilhantemente resumiu toda a sua visão quanto aos impactos e os direitos ameaçados pela construção da usina de Belo Monte.

Save
Cookies user preferences
We use cookies to ensure you to get the best experience on our website. If you decline the use of cookies, this website may not function as expected.
Accept all
Decline all
Read more
Analytics
Tools used to analyze the data to measure the effectiveness of a website and to understand how it works.
Google Analytics
Accept
Decline
Unknown
Unknown
Accept
Decline